6.12.11

Longboard x Campeonatos (por Jaime Viudes)

"Talvez o longboard seja a modalidade mais complexa do surf, tecnicamente falando. Emendar o surf tradicional com o moderno pode não parecer tão difícil lendo um livro de regras, mas na hora de colocar em prática pode ser bastante complicado. E pra quem não é do ramo, fica mais difícil entender o grau de dificuldade de alguns detalhes.
 

Nos últimos anos a ASP tem feito alterações nos critérios de avaliação. Os competidores sentiram falta de um especialista no assunto, para ajudar na elaboração dos critérios técnicos e no entendimento desses detalhes básicos. Todos sabem da importância de um estilo funcional no surf de longboard, mas sem intimidade com um pranchão fica difícil entender os fundamentos que o compõem. 

Independente da abordagem (clássica ou moderna), não dá pra brigar com uma prancha que mede nove pés. A força só funciona para determinados momentos. Uma postura mais tranqüila em cima da prancha, com harmonia de movimentos, base mais fechada e livre para o jogo de pernas, a fluidez ao linkar a linha clássica com a moderna facilitam na hora de surfar com uma nove pés. São fundamentos básicos que deveriam ser observados com mais cuidado numa competição, mas acabaram corrompidos com o tempo e hoje acabam passando despercebidos por quem elabora as regras. 


Desde que os surfistas progressivos começaram a invadir os principais campeonatos de longboard do mundo, as polêmicas vem aumentando a cada ano. O surf tradicional imperou por muito tempo nos critérios de julgamento. Surfistas como Joel Tudor e Kevin Connelly eram referências em qualquer campeonato, mas seguindo a tendência radical do esporte, os limites foram sendo ultrapassados também com os pranchões, e eles passaram a ter resistência de caras como Bonga Pekings, Picuruta, Jeff Kramer, Jason Ribbink, Amaro Matos e Collin McPhillipps. Surfistas que conhecem muito bem a tradição, mas que tem uma linha mais vertical. Mesmo a coisa ainda não estando tão escancarada pro lado progressivo, foi o suficiente para perceberem que a maioria já surfava fora da linha conservadora que dominavam e decidiram sair do tour. O Joel ainda tentou reverter o conceito da ASP, mas foi em vão. O surf de rabeta estava cada vez mais conceituado.
 

Até 2004, ano do último título dele, os elementos tradicionais ainda prevaleciam. 2005 nem tivemos campeão, talvez tenha sido o momento mais crítico da modalidade. No ano seguinte, durante o mundial Rabbit Kekai, na Costa Rica, esses elementos começaram a perder força. O negócio era tirar a prancha ao máximo, mesmo que o cara viesse agachado ou espalhafatoso, sem fluidez e harmonia. Isso foi demais pra um surfista tão tradicional como o Joel. Foi o último WLT que ele participou.
 

O campeonato que deu o titulo mundial ao Phil Rajzman, na França em 2007, foi a consolidação do que vimos no ano anterior. Claro que não por causa do Phil, que foi impecável em todas as baterias. Mas o evento marcou não somente pela valorização do surf progressivo, pois isso já vinha acontecendo há bastante tempo, mas sim pela super desvalorização dos elementos tradicionais, fazendo com que o mito Nat Young tomasse a iniciativa de expressar via email a todos os competidores e à própria ASP, a sua preocupação com os rumos que a modalidade estava seguindo. Disse que aprovava a combinação das manobras modernas e tradicionais, mas alertava sobre a importância em preservar os fundamentos básicos, pois sem eles, temia que os eventos de longboard se transformassem numa espécie de categoria B do surf de pranchinha. Pro Nat Young, que ganhou apelido de animal pela forma agressiva que surfava já nos anos 60, ter ficado preocupado é porque o caso era sério mesmo.
 

A ASP respondeu através do Tim Marshall, dizendo que também não pretendia que o longboard se transformasse numa categoria B de pranchinha, mas que também não queria que os eventos fossem um grande torneio de noseriding. Dizia que isso seria um passo para trás, mas ele parece não ter entendido a essência do que o Nat disse sobre preservar fundamentos do surf tradicional, pois não se trata apenas de noseriding. Seria interessante que longboarders renomados, formadores de opinião, fossem consultados para facilitar esse trabalho. Além do Nat Young, o Wingnut acompanhou algumas etapas do WLT, mais como garoto propaganda da Oxbow, mas a presença deles acrescenta sempre informações preciosas para comissão técnica. Aqui no Brasil, caras atuantes como o Alex Leco, além de ter visto de dentro d’água toda essa transformação, tem conhecimento prático de julgamento. Poderia ser muito útil para orientar o staff e fazer a galera entender os critérios no circuito brasileiro.
 

Os emails do Nat parecem não ter adiantado nada e o julgamento estava cada vez mais comprometido com o surf de rabeta. A ASP estava encantada com a linha progressiva de caras como Harley Ingleby e Ned Snow. Em 2009, o Harley sagrou-se campeão mundial no Oxbow das Maldivas. Quando vi a prancha que ele estava usando entendi perfeitamente a preocupação do Nat de que o surf não virasse uma categoria sub da pranchinha. Ela era ridiculamente estreita e fina, com muito rocker na rabeta e triquilha. Logo me veio na cabeça que dificilmente eu o via fazendo uma linha mais clássica, mandando longos noseridings ou nem mesmo curto hang ten nas baterias. Mas não dá pra negar que ele tem uma linha polida, embora seja 100% progressiva.
 

Como a coisa ficou muito voltada pro surf de rabeta, na temporada de 2010, a ASP criou uma fórmula com intenção de valorizar também as manobras tradicionais. Inventaram um sistema onde o surfista não passaria de 75% dos pontos se não combinasse manobras tradicionais e modernas. Foi um fracasso total, pois surf clássico não se limita apenas às manobras, é preciso analisar o conjunto da obra. Por isso as manobras clássicas viraram apenas um complemento e muitas vezes saíram notas na casa dos nove pontos com ondas surfadas apenas progressivamente. Uma boa amostra que a linha agressiva veio pra ficar, o que para muitos é a lógica num esporte radical por natureza como o surf. Já para outros é a morte da pureza...
 

Mas é vida que segue, e no mês passado a ASP publicou no seu livro de regras a importância de analisar também o foot work, além do estilo e fluidez na combinação das principais manobras, mas o que vai mandar são as condições do mar durante a competição. Se estiverem limpas, o old style acrescentará bastante. Já nas ondas curtas e picadas a tendência é radicalizar bastante, mas para o bem do longboard, que seja sempre com uma postura adequada, sem aquela base arreganhada com chacinas de baratas. Se acontecer desse jeito será bom, pois o surf de longboard deve ter essa submissão do surfista em relação à onda, funciona melhor se ela der as cartas. 

O sistema 75-25% do ano passado não existe mais. Provavelmente veremos a valorização de detalhes que caracterizam uma abordagem funcional para surfar de longboard, seja tradicionalmente ou de forma progressiva. Assim respeitamos a natureza radical do surf e a tradição clássica da modalidade.
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TRADICIONAL OU PROGRESSIVO - Revista Fluir - julho 2011, ano 28 (numero 07), ediçao 309 - coluna LONGBOARDER, por Jaime Viúdes.



Foto: Cássio Carvalho / Surfer: Jaime Viudes
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