por Junior Faria
Eu gostaria de aproveitar esse momento como 48º do mundo, depois do corte de NY, para afirmar novamente:
Surfe não é “esporte”.
Eu continuo acreditando nisso e continuarei colocando a palavra esporte entre aspas. Agora que experimentei algum tipo de sucesso no circuito mundial, sinto que essa afirmação tem mais fundamento e espero que possa ser levada em consideração também pelos amigos que enxergam o surfe como “esporte” e acreditam que um sistema de competição dentro do surfe é capaz de apontar o melhor surfista.
Gostaria acima de tudo, deixar aqui registrado todo meu respeito e admiração aos colegas competidores profissionais de surfe as pessoas que trabalham honestamente com água salgada nas veias. Em especial meus compatriotas brasileiros, verdadeiros guerreiros.
Quando penso racionalmente sobre esse assunto fica muito claro pra mim que a competição profissional no nosso “esporte” é ineficiente. E aponto o conteúdo desse texto para a fragilidade do sistema competitivo atual e à ideologia vã que tenta apontar um único indivíduo como vencedor dentro de uma atividade tão subjetiva.
O surfe é uma atividade que não tem características competitivas como seu pilar fundamental, diferente de modalidades esportivas legítimas como por exemplo o atletismo, a natação e o futebol. Dentro das regras estabelecidas e de condições iguais para todos os competidores, tais atividades são capazes de apontar um campeão. E até quando são praticadas de forma recreativa, só fazem sentido quando a competição está presente (Claro que praticar esportes também traz benefícios a saúde e muitas vezes são praticados exclusivamente com a intenção de melhorar a qualidade de vida. Por esse ponto de vista tais modalidades fazem sentido sem a competição).
Mas o que quero dizer é que não tem graça jogar futebol sem gol. Jogar tênis pelo simples prazer de bater na bolinha perde o sentido em menos de dez minutos e ninguém vai ligar se você correr a 100 km/h se não existir outra pessoa disposta a cruzar a linha de chegada antes que você.
Já ouviu falar de alguém que largou a namorada, ou cruzou o planeta, ou ficou horas no trânsito, ou se enfiou no meio do mato pra chutar bola num gol sem ninguém até escurecer? Agora troque a parte “chutar bola num gol” por “SURFAR”. Fez sentido?
Surfe é como música, faz bem pra alma mesmo quando ninguém entende o que quer dizer.
Quem é melhor, Jimi Hendrix ou Yo-Yo Ma? O que agrada mais aos ouvidos, Beethoven ou Metallica? Ninguém se preocupa se o melhor guitarrista do mundo nunca foi eleito. Não existe ninguém no planeta que possa ser chamado de “melhor baterista do mundo” e nunca vamos concordar que música clássica é melhor que Rock’n’Roll. E assim como na música, nenhum surfista poderá ser chamado de melhor do mundo. Porque isso simplesmente não existe.
No surfe o que existe é:
Um indivíduo que conseguiu acumular o maior número de pontos em um determinado período de tempo, na opinião de juízes, que traduzem em números de zero a dez, suas opiniões pessoais sobre uma performance apresentada usando como base um critério subjetivo de avaliação comparativa.
Podemos discutir por horas sobre critérios de julgamento, formatos de competição, sistemas de pontuação, cortes, rankings etc. Mas nada fará sentido porque tudo depende de um fenômeno incontrolável, imprevisível e ímpar: as ondas. E nem no mais perfeito point-break existem duas ondas perfeitamente iguais. Quem dirá nos breaks que figuram no calendário da ASP. E nem me venha com papo-furado, tenho 24 anos e competi pela primeira vez com dez anos de idade, posso te afirmar por experiência própria que nem numa bateria com uma hora de duração dois surfistas tem as mesmas condições de apresentação. Nem nas Mentawai.
Olha, surfe não é “esporte” nem “apresentação”. Mas pode ser qualquer um dos dois quando convém à quem manda no circo. No doping só cai quem é escolhido, um campeão mundial pode cheirar cocaína desde que tenha o patrocínio certo e consiga discursar ao receber o troféu. E quem surfa bem, bem mesmo, ganha vaga nos eventos mais restritos se for famoso o suficiente.
E a verdade a gente só ouve de vez em quando meio rouca, quase sem voz. Sufocada por meios de comunicação reféns de comerciantes que vendem um sonho travestido e maquiado pra quem pode disponibilizar uma pequena fortuna em troca de uma peça de roupa com um slogan convincente. No nosso “esporte” não existe jornalismo, notícia, campeão, atleta e nem justiça. Só existe o que é preciso mostrar para que você acredite que o sonho existe, e pode ser parcelado em até 3 vezes sem juros no cartão.
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http://www.aspworldtour.com/rankings/asp-mens-world-ranking/)